A bola corre mais que os homens
Antes de falar de drible é importante falar do passe. Criticar e condenar o Tite pelo jogo morno contra a Venezuela é ignorar o adversário e uma proposta que historicamente trava a seleção brasileira
Por Bruno Formiga
O título deste texto é igual ao de um ótimo livro de Roberto DaMatta. Uma obra que fala muito do significado social do futebol brasileiro. Maravilhoso! Meu o uso aqui, porém, é um pouco menos lúdico e um tanto quanto mais prático.
Sim. A bola corre mais que os homens. E isso deveria ser óbvio ao analisar um jogo.
Mas por aqui temos a mania de individualizar o futebol. Transformar um mecanismo coletivo em um show freestyle de talentos isolados. Não é assim que a banda toca.
Mais importante que o drible é o passe.
Sempre.
A evolução do futebol passou e passa pela forma e velocidade com que a bola circula no campo. Nada cria mais espaço que isso no campo.
E espaço é vida!
Por que estou falando sobre isso?
Porque a vitória magra do Brasil sobre a Venezuela desencadeou uma onda de críticas e de cornetas pra cima do técnico Tite e dos jogadores. "Análises" que ficam guardadas e pré-moldadas para tropeços e atuações mais apagadas.
As frases são feitas. Servem pra hoje, pra ontem e pra amanhã.
Vejamos. Times fracos e compactos historicamente transformaram jogos da seleção em partidas chatas e enfadonhas. Faça um exercício: das piores partidas que você viu do Brasil, a esmagadora maioria foi contra times ruins.
A pouca qualificação puxa o jogo pra baixo. E jogos entre seleções, sazonais e com espaços enormes entre as datas, são ainda mais fáceis de sofrer com isso.
Voltemos a Brasil 1x0 Venezuela.
Tite tinha uma ideia clara. Executou ou tentou executar por 90 minutos. Jogadores abertos e muitos outros por dentro para empurrar a defesa da Venzuela pra trás, gerando jogo entre as linhas. Foco nos lados para fazer a bola chegar à área (o gol saiu assim, por sinal).
Tudo foi bem feito? Não.
O jogo foi divertido? Não.
Mas isso nada tem a ver com incompetência do treinador ou qualidade da geração.
Repito. Esse normalmente é o contexto de futebol que fez a seleção jogar suas piores partidas - ou as mais sem graça.
Achar espaço em defesas que se fecham e times que não querem jogar é um desafio no mundo todo. Maior ainda para seleções que se reúnem pouco e treinam menos ainda. Concorda?
Bem. Com a atuação mais apagada, apesar da estratégia (que sempre existe), surge sempre quem fala da falta drible. É uma muleta de comentário. Mas ok. Entendo o ponto. A ferramenta quebra marcação, surpreende. É bonito de ver.
Mas é o passe que acha mais no campo. É que movimenta a defesa adversária, desencaixa marcação, gera lance, gera chance e gera gol.
Para o passe circular precisa, claro, de movimentação, de inteligência, de organização, de risco. Nesse ponto você pode dizer que o Brasil teria como melhorar, como evoluir.
A seleção poderia ter jogado mais e melhor? Obviamente.
Só não se iluda com a análise fácil.
E lembre-se:
A bola corre mais que os homens.