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Opinião: Já passou da hora de pararmos de negligenciar a saúde mental no esporte de alto nível

Simone Biles desistiu de competições na Olimpíada de Tóquio por isso; Michael confessou ter tido depressão; três jogadores uruguaios se suicidaram nos últimos meses, mas o assunto ainda é pouco discutido

Simone Biles mostrou ao mundo que sim, os gênios também são vulneráveis à sua própria mente. E tudo bem.
Simone Biles mostrou ao mundo que sim, os gênios também são vulneráveis à sua própria mente. E tudo bem. - Jamie Squire (Getty Images)

Por Gabriel Menezes

"O atleta tem que saber lidar com a pressão". Quantas vezes já ouvimos essa frase ou coisas parecidas quando se analisa o mundo do esporte de alto rendimento? Inúmeras. E é uma verdade. Os atletas de alto nível têm uma pressão enorme sobre seu desempenho porque muito se espera deles. Mas quem ensina a lidar com a pressão? Como se ajuda a lidar com a pressão? O que fazer para esse peso não ser grande demais? Isso acaba sendo pouco debatido.

Nesta semana, Simone Biles chamou atenção ao abandonar diversas finais da ginástica artística em plena Olimpíada de Tóquio. O motivo? Como ela mesma falou, não estava se sentindo bem, não confiava em si mesma e, para evitar que o psicológico causasse uma lesão física - decorrente de um erro - ela preferiu não fazer suas acrobacias.

Biles é uma das maiores ginastas de todos os tempos. Ganhou cinco medalhas - sendo quatro de ouro - na Olimpíada do Rio, em 2016, e era uma das grandes faces dos Jogos de Tóquio. E abandonou, priorizando sua saúde mental, no maior palco que terá em sua carreira. Porque a pressão sobre ela foi grande demais e ela, sabiamente, soube o momento de parar.

Simone Biles abdicou de finais, mas segue em Tóquio. E não, o sorriso não indica que ela usou a saúde mental como "desculpa" (Foto: Getty Images)
Simone Biles abdicou de finais, mas segue em Tóquio. E não, o sorriso não indica que ela usou a saúde mental como "desculpa" (Foto: Getty Images)

Michael, atacante do Flamengo, volta e meia é alvo de muitas críticas vindas de torcedores e até de comentaristas de futebol. Algumas, claro, são justas. Todo atleta pode - e deve - ser criticado quando merecido. Outras são exageradas. Muitas passam do limite do aceitável.

Também nesta semana, o jogador confessou que, durante a passagem de Jorge Jesus pelo clube, chegou a pensar em suicídio. Michael teve depressão, como ele mesmo afirmou: "Eu tive depressão ano passado. Tava no hotel na época e queria me suicidar. Queria saber como era me jogar do prédio. Aí eu gritei por socorro."

No futebol uruguaio, três jogadores foram à frente com a ideia de suicídio nos últimos seis meses. Santiago "Morro" García faleceu em fevereiro e a mãe confirmou que ele sofria de depressão. O ex-atacante passou, no Brasil, pelo Athletico Paranaense. No dia 17 de julho, Williams Martínez, de 38 anos, ex-seleção uruguaia, tirou sua própria vida. O luto do futebol uruguaio mal tinha passado e Emiliano Cabrera, de 27 anos, também se suicidou, no último dia 23.

Poderia ficar o texto inteiro citando exemplos de atletas que tiveram depressão ou sofriam com outro tipo de transtorno psicológico e o quanto isso os atrapalhou. Robert Enke, Michael Phelps - sim, o maior nadador de todos os tempos teve depressão - Rafaela Silva... São muitos. Fora aqueles que não ouvimos dizer porque não os deixamos dizer.

Santiago García (esq.) se suicidou em fevereiro deste ano; era ídolo do Godoy Cruz e sofria de depressão (Foto: Getty Images)
Santiago García (esq.) se suicidou em fevereiro deste ano; era ídolo do Godoy Cruz e sofria de depressão (Foto: Getty Images)

O que podemos fazer para evitar que esses casos se repitam?

Primeiro de tudo, entender que o atleta de alto rendimento continua sendo, acima de tudo, um ser humano. Eles não são super-heróis. Dessa forma, têm tantas chances de sofrer de ansiedade, depressão, borderline, etc. como qualquer outra pessoa. Aceitar isso e não esperar que eles sejam totalmente infalíveis, 100% resistentes e imunes a qualquer tipo de doença e de falha é o primeiro passo.

Dizem por aí que "a dor faz parte do uniforme do atleta". E realmente, os atletas de alto nível geralmente sofrem com várias lesões físicas em sua carreira. O emocional também sofre. O problema é que, até hoje, mesmo em 2021, o estigma sobre os transtornos psicológicos, que não ficam evidentes como uma fratura ou uma entorse, ainda existe.

O atleta que sofre de depressão, que reconhece que sentiu a pressão, que dá qualquer sinal de que não está bem, é tido como fraco. Não presta. Não serve para estar na elite. Então o atleta se fecha. Guarda isso pra si. Pra não ser tachado como fraco. Nem como louco. E isso só vai piorando a situação. Acumula problemas. Não os resolve.

Gênio das piscinas, Phelps revelou em entrevistas que sofreu com a depressão depois de Londres 2012; o astro superou a doença e voltou às piscinas na Rio 2016 (Foto: Getty Images)
Gênio das piscinas, Phelps revelou em entrevistas que sofreu com a depressão depois de Londres 2012; o astro superou a doença e voltou às piscinas na Rio 2016 (Foto: Getty Images)

Em reportagem do ano passado, a 'ESPN' apontou que 12 dos 20 clubes da Série A do Campeonato Brasileiro não tinham um psicólogo acompanhando os jogadores do elenco principal rotineiramente. A seleção brasileira também não tem. Por que? As justificativas oficiais podem ser muitas, mas o fato é que, no fundo, várias delas disfarçam uma negligência generalizada e o preconceito relacionado com os transtornos psicológicos.

O lado físico é cada vez mais desenvolvido desde a base. Quantos profissionais trabalham diariamente para que os atletas estejam sempre no pico de suas formas físicas? Quantos analisam o tanto de esforço que podem realizar e tentam prevenir lesões? Quantos trabalham regimes de treino para estender a carreira dos atletas? E por que não prevenir doenças psicológicas? Por que não termos profissionais voltados a garantir o bem-estar mental dos jogadores?

Os próprios jogadores, claro, têm problemas para aceitar que precisam de ajuda. Quando falamos do esporte masculino, outra dinâmica vem à tona: o machismo enraizado na sociedade. Afinal, são homens criados para serem o maior exemplo de virilidade possível. "Homem não chora", ensinaram e ainda ensinam por aí. Uma tolice sem tamanho. Homem chora, sofre, se descontrola e precisa de ajuda sim. De preferência, de ajuda profissional. E ninguém se torna menor por isso.

O debate precisa urgentemente ser mais espalhado. Tratado da forma como merece: com seriedade, abrindo os ouvidos e as orelhas para que, cada vez mais, os atletas também possam se abrir. Pra que não sejam julgados e vistos como fracasso por admitirem seus problemas. Pra que mais nenhum atleta de alto rendimento tire sua própria vida.

Sofrer uma ruptura de ligamento gera apoio e tratamento vindo de muitos lados. Sofrer com a depressão, a ansiedade ou qualquer tipo de transtorno desse tipo também deveria gerar a mesma coisa. Especialmente no esporte de alto rendimento, que tem - ou deveria ter - recursos de sobra pra gerenciar o mental de seus atletas no mesmo nível que gerencia o físico e o técnico.

A saúde mental não é só uma desculpa dada pelos atletas. Uma muleta utilizada para justificar um desempenho abaixo do esperado. Pelo contrário: admitir que não está bem psicologicamente é uma demonstração de muita força de dar a cara a tapa justamente para enfrentar esse tipo de discurso, se expondo e se abrindo de uma maneira que poucos fazem. Não é bobagem, não é síndrome de "pipoqueiro". É algo muito sério.

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